Uma das situações recorrentes que levam pais preocupados ao meu consultório são as Osteocondrites, por isso, a seguir vamos falar sobre elas. Osteocondrites: o que são, como reconhecer e tratar.
Como a própria palavra apresenta, “osteo” se relaciona a osso, “condro” se relaciona a cartilagem e o sufixo “ite” se relaciona a uma inflamação. Isso ocorre quando, por algum motivo, as crianças apresentam uma inflamação que atinge tanto o osso quando a cartilagem.
Alguns autores diferenciam Osteocondroses de Osteocondrites, dando o nome de Osteocondroses para quando não há lesão na cartilagem de crescimento (físe óssea), mas em vários momentos são usados como sinônimos.
O processo de pouca nutrição por baixa irrigação sanguínea é a causa mais comum da inflamação que ocasiona a Osteocondrite. Ela pode se manifestar de diferentes formas e em diversos locais.
É importante ressaltar e diferenciar alguns conceitos bastante comuns
Na maioria das vezes, o termo “dor de crescimento” é usado tanto para a Osteocondrite de Osgood-Shlater, tanto para “dores em membros” ou DMEI (dor músculo esquelética idiopática), tratada com mais detalhes em outro texto. A dor músculo esquelética idiopática não é por conta do crescimento, mas é a dor que mais ganha esse “apelido”.
Já se formos usar a definição “dor de crescimento” em referência ao crescimento em si, poderíamos sim usar o termo para algumas das Osteocondrites. Mas então, poderíamos dizer que são dores causadas por uma inflamação no local da inserção óssea, devido a uma desorganização do crescimento associado a prática de alguma atividade especifica, como esportes que envolvam chutes ou arremessos.
Qual o primeiro passo?
O primeiro passo, sempre, é consultar um médico para que sejam descartadas quaisquer malignidades. Essa consulta pode exigir alguns exames complementares como raio x ou ultrassom.
Quais as principais características apresentadas pelas crianças com Osteocondrites?
- Crianças que possuem um esqueleto imaturo, em crescimento, com as epífises de crescimento “abertas”;
- Crianças que utilizam mais um grupo muscular que outro. Podemos explicar isso tanto nas alterações posturais mais conhecidas, como escolioses, hipercifoses, hiperlordoses, como em alterações simples como chutar sempre com a mesma perna;
- Meninos entre 10 e 14 anos de idade. Isso se deve ao fato de ainda termos uma prevalência maior de meninos em esportes como o futebol ou handebol e porque o esqueleto das meninas amadurece antes do que o esqueleto dos meninos.
E quais são as Osteocondrites mais comuns?
Osgood-Schlatter: é a primeira e mais comum entre todas as Osteocondrites, sendo mais frequente em meninos fisicamente ativos, principalmente aqueles que jogam futebol.
A dor aparece na inserção do quadríceps femoral na tuberosidade da tíbia. O excesso de movimento de chute pode levar a uma tração excessiva do tendão patelar na tuberosidade da tíbia, diminuindo a vascularização local e levando a uma inflamação.
Em alguns casos, pode ocorrer até a desinserção do tendão patelar. Nesse caso, é necessária uma artroscopia para remoção das partículas soltas de osso.
O desequilíbrio muscular está relacionado a uma força superior do quadríceps femoral em relação ao seu antagonista, os isquiotibiais (nesse caso, ambos quadríceps e ísquiotibiais também se apresentam encurtados).
Como durante um jogo de futebol, por exemplo, esses dois músculos são muito requisitados, acaba ocorrendo muita tração do quadríceps sobre a tuberosidade da tíbia, resultando na lesão óssea que causa inflamação.
Doença de Sever: a Osteocondrite de Sever (Haglunsd-Sever) aparece, geralmente, na inserção do tríceps sural no calcâneo, sendo o mecanismo de lesão similar ao apresentado na Síndrome de Osgood- Schlatter. Porém, o músculo que exerce a tração é o tríceps sural e o osso que sofre a lesão condral é o calcâneo.
Ela está relacionada ao aumento das atividades físicas de impacto. A dor é bem pontual, na região plantar, e vem sempre após a pratica esportiva.
O desequilíbrio de forças e amplitude de movimento do tríceps sural estão entre as causas, mas a principal causa é a sobrecarga ou impacto de repetição (pulos). Esportes de grande impacto como ginastica de solo, balé e futebol são os esportes mais comuns para aparecimento da dor.
Como tratar as Osteocondrites de Osgood-Schlatter e de Sever?
Tanto na Osgood-Schlatter quanto na Sever, a dor, aparece em inícios de temporadas, volta à prática esportiva após um período de férias, ou até mesmo na situação atual em que as crianças estavam totalmente isoladas, devido à pandemia, e voltaram à prática esportiva após longos períodos de inatividade.
Os primeiros sintomas podem aparecer imediatamente após a criança jogar futebol, por exemplo. Ela normalmente leva a mão ao joelho (no caso da Osgood-Schlatter), ou mancar (no caso da Sever), e reclama de dor. Depois de algum tempo, aparecem os sinais inflamatórios, como coloração avermelhada e edema (inchaço).
O tratamento normalmente é repouso do esporte e fisioterapia, sendo que o papel da fisioterapia é auxiliar no controle da dor, acelerar o processo de cicatrização e principalmente, reequilibrar o corpo da criança e prepara-lo para o retorno ao esporte.
O reequilíbrio muscular requer uma avaliação detalhada de forças e amplitude de movimento dos principais grupos musculares dos membros inferiores, bem como um reequilíbrio postural do tronco.
O laser de baixa potência tem sido usado nas crianças e adolescentes no local da lesão com excelentes resultados, apesar de até o momento, não termos nenhum estudo especifico em crianças e adolescentes.
Além disso, o uso de palmilhas tem sido um excelente coadjuvante no tratamento de reequilíbrio de forças em crianças e adolescentes.
O retorno ao esporte deve ser gradativo, mesmo depois de total cicatrização. O ideal é que o atleta esteja em acompanhamento com o fisioterapeuta para que esse retorno seja feito ainda em reabilitação, no momento em que a inflamação esteja controlada e a lesão 100% cicatrizada, mas em seguimento com o reequilíbrio muscular até que a criança ou adolescente conclua o crescimento e a maturação óssea.
Uma curiosidade: Osteocondrite de Osgood-Schlatter é mais comum no Brasil que nos EUA, sendo que lá a Osteocondrite de Panner é mais comum. Outro dado interessante é que no Brasil os meninos têm maior prevalência de Osgood-Schlatter que as meninas, sendo que nos EUA meninos e meninas têm a mesma prevalência.
Esse é um dado que nos leva a confirmar que no Brasil se joga mais futebol e ainda temos mais meninos que meninas jogando, enquanto nos EUA tanto meninos quanto meninas jogam em igual proporção. Além do mais, esportes de arremesso (basquete, beisebol, futebol americano) são mais praticados nos EUA, também justificando a maior prevalência de Panner.
Outras Osteocondrites menos comuns
Panner: caracterizada por uma dor lateral do cotovelo, geralmente no côndilo medial, é muito frequente em praticantes de esportes de arremesso, como beisebol, por exemplo. Por esse motivo, acaba sendo pouco presente no Brasil.
Existem outras Osteocondrites que não estão necessariamente relacionadas à prática esportiva, como algumas fisiopatologias de quadril, coluna e pé, mas que possuirão mecanismos de tratamento muitos similares aos conservadores apresentados.
São elas:
- Legg-Calvé-Pether, que acomete o quadril;
- Doença de Schuermann, na coluna torácica;
- Doença de Köhler, no osso navicular;
- Osteocondrite de Feiberg, no segundo metatarso;
- Doença de Iselin, no quinto metatarso;
- Osteocondrite juvenil da coluna ou do esterno.
Quais os cuidados que devemos ter?
Quanto mais cedo o diagnóstico, menos deformidades ósseas, então a consulta regular ao médico deve ser rotina também em crianças e adolescentes saudáveis.
É necessário sempre atentar para o equilíbrio muscular. Quando há um desequilíbrio, ou seja, um músculo mais forte e um músculo contrário mais fraco, sempre vai haver um movimento que predomina sobre o outro, tendo maior chance de desenvolver Osteocondrites e outras alterações musculoesqueléticas.
Quanto mais rápido for o encaminhamento da criança a um médico e a um fisioterapeuta, mais rápida tende a ser a recuperação e readaptação ao esporte. O sucesso de todo tratamento depende da rapidez com que se encaminha ao tratamento, a adesão ao tratamento, tanto da família como da criança, e também do diagnóstico e tratamento bem feitos pelos profissionais envolvidos.
Referências:
- Porto, 2019;
- Dr Francisco Couto Valente, 2019;
- Kathryn L. Bauer, MD (Pediatric Orthopaedics and Sports Medicine, Children’s Health Andrews Institute for Orthopaedics and Sports Medicine, Plano, Texas, 2016.
Leia também sobre DOR CERVICAL E A LINHA DO OLHAR.